segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Bisturi na carne


Cirurgia é algo mágico. Soube disso desde a primeira cirurgia que assisti, uma neurocirurgia no final do ano passado, poucas semanas antes de completar 21 anos. Senti um prazer inexplicável. Na verdade nem sei se a palavra certa é "prazer". Pela primeira vez vi o Homem por dentro, in vivo, ao vivo, toquei o centro da consciência humana: o cérebro. Tive a sensação de ter preenchido um vazio em minha alma médica, até então exclusivamente clínica.


O ambiente cirúrgico é diferente. Todos se vestem da mesma forma, há igualdade. Ainda me pergunto porque diabos nenhum teórico socialista ainda não comentou a respeito. 

A beleza fica a cargo dos olhos e sobrancelhas, já que a máscara esconde os lábios, a touca os cabelos e o pijama cirúrgico e o capote as formas do corpo. 

Quando se quer sorrir, o outro deve ter a sensibilidade de detectar o sorriso em seus olhos.

Há, porém, uma parte do corpo vestida com sensualidade, fetichizada, a única cujas formas ficam justas em seu envoltório, que parece ressaltar sua magistral importância no ato: um par de belas e habilidosas mãos.



A sala é fria, o sangue quente. O cirurgião vê e explora locais que os demais mortais nem sonham. Toca o cérebro com dedos esguios, apalpa o pulmão com mãos vigorosas. Desconstrói, disseca, extirpa, constrói. "Destruição também é criação", o lema Dadaísta aplica-se aqui.


Piadas, interjeições, risos ou silêncio: tudo depende do momento do ato. Certas vezes ouve-se apenas o som dos aparelhos de monitorização regidos pelo anestesista. Outras vezes, o perturbador som do eletrocautério.

Hoje em dia, sinto uma necessidade física de assistir cirurgias, sujar minhas luvas de sangue. Quando não o faço, fico melancólica. Algumas áreas da Medicina Clínica, como a Neurologia, gosto de estudar a teoria, pois me enriquece o espírito. E Cirurgia me satisfaz o corpo. Daí minha tão árdua dificuldade em escolher o que me fará feliz, visto que tenho corpo e alma e preciso dum equilíbrio para subsistir. 
Ainda não faço ideia se seguirei esse caminho, mas sempre terei imenso carinho e respeito por essa área da Medicina, que tão boas sensações me despertou.

Harvey Williams Cushing (1869-1939), considerado pai da Neurocirurgia moderna (http://en.wikipedia.org/wiki/Harvey_Cushing)