terça-feira, 25 de maio de 2010

É ela! É ela! É ela! É ela


É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura -
A minha lavadeira na janela!

Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! Que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...

Oh! de certo... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela... que amanhã de certo
Ela me enviará cheios de flores...

Tremi de febre!Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...

É ela! É ela! - repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas
Se achou-a assim mais bela - eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camizinhas!

É ela! É ela! meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! É ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou - é ela!


Álvares de Azevedo

terça-feira, 18 de maio de 2010

Volúpia



Tenho-te, do meu sangue alongada nos veios,
à tua sensação me alheio a todo o ambiente;
os meus versos estão completamente cheios
do teu veneno forte, invencível e fluente.

Por te trazer em mim, adquiri-os, tomei-os,
o teu modo sutil, o teu gesto indolente.
Por te trazer em mim moldei-me aos teus coleios,
minha íntima, nervosa e rúbida serpente.

Teu veneno letal torna-me os olhos baços,
e a alma pura que trago e que te repudia,
inutilmente anseia esquivar-se aos teus laços.

Teu veneno letal torna-me o corpo langue,
numa circulação longa, lenta, macia,
a subir e a descer, no curso do meu sangue.

Gilka Machado

domingo, 16 de maio de 2010

Cantiga


Cantiga



I


Em um castelo doirado
Dorme encantada donzela;
Nasceu — e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.


Adormeceu-a sonhando
Um feiticeiro condão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração.


Dorme a lâmpada argentina
Defronte do leito seu:
Noite a noite a lua triste
Dorme pálida no céu.


Voam os sonhos errantes
Do leito sob o dossel,
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel.


E no castelo, sozinha,
Dorme encantada donzela:
Nasceu — e vive dormindo
— Dorme tudo junto dela.


Dormem cheirosas abrindo
As roseiras em botão,
E dormem no seio dela
As rosas do coração!



II


A donzela adormecida
É a tua alma santinha,
Que não sonha nas saudades
E nos amores da minha


— Nos meus amores que velam
Debaixo do teu dossel,
E suspiram no alaúde
As notas do menestrel!


Acorda, minha donzela!
Foi-se a lua — eis a manhã
E nos céus da primavera
A aurora é tua irmã!


Abriram no vale as flores
Sorrindo na fresquidão:
Entre as rosas da campina
Abram-se as do coração.


Acorda, minha donzela,
Soltemos da infância o véu...
Se nós morremos, num beijo,
Acordaremos no céu!

Alvares de Azevedo


Deusa incruenta


Deusa incruenta


À imprensa

Ao Grêmio Literário`

Antítese a "Terribilis Deá"


QUANDO ELA se alteou das brumas da Alemanha,
Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha,
Na destra suspendendo a estrela da manhã...
O espasmo de um fuzil correu nos horizontes...
Clareou-se o perfil dos alvacentos montes,
Dos cimos do Peru... às grimpas do Hindustã!!...


Tinha na mão brilhante a trompa bronzeada!
Vestia o longo véu da vestal inspirada!
Era Palas talvez! ... talvez um serafim!...


O albor de Beatriz no imaginar do Dante!. . .
O olhar da Pitonisa em trípode gigante!
Do mundo — Anjo da guarda! enorme querubim!...


Ergueu-se! Olhou de roda os plainos do Universo...
No peito das Nações seu braço longo, imerso
Palpou-lhe o estrepitar do estoso coração!...
— Gênio e santa! — a mulher um grito ergueu profundo,
Abriu braços de mãe — p'ra acalentar o mundo,
Asas de Serafim — p'ra abrigar a amplidão.


Rugiram de terror ao ver-lhe o rir sublime...
O sátrapa, o chacal, a tirania, o crime...
O abutre, o antro, o mocho, o erro, a escravidão!
Disse a gruta p'ra o céu: "Que deusa é esta ingente?"
O espaço respondeu: "É a Diva do Ocidente!...
A consciência do mundo! o Eu da criação!"


E quando Ela surgiu, — os pólos se abraçaram!
O Zênite e o Nadir, — surpresos, se escutaram!
O Norte - ouviu, chorando, o soluçar — do Sul!
O abafado estertor do servo miserando,
Da deusa no clarim gigante reboando,
Clamou da terra — verde... ao firmamento — azul! ...


Uma noite... no chão da Grécia - peregrina,
A Deusa ajoelhou... da poeira divina
O fantasma de Homero então viram surgir!
"Ainda viajar" diz o velho em assombro...
"Quem és? "Eu sou teu guia... Encosta-te ao meu ombro."
— "Então, levas-me longe?" — "Eu levo-te ao porvir!"


No forum colossal da sempiterna Roma
De Cícero a figura apaixonada assoma
E de novo retumba o verbo atroador...
Tem hoje por tribuna imensa — a eternidade,
Por Forum o universo! é plebe — a humanidade!
A seus pés as nações! os séculos — em redor!


Quando a Bastilha vil tremia desraigada
E da mole ao sopé soava a martelada,
A catapulta humana, a voz de Mirabeau!...
Quando aquele ideal Quasímodo do abismo
Se agitava a ulular dos Reis no cataclismo,
— Sineiro que rebate aos séculos tocou!...


Eriçado, feroz, suado, monstruoso,
Magnífico de horror, divino, proceloso...
A Deusa se atirou nos braços do Titão!!
Mas, sentindo que o Deus inteiriçado tomba...


Dos tronos co'a madeira — arvora-lhe a hecatomba!
Co'as púrpuras dos reis — acende-lhe um clarão!


Seguiu do Childe errante o iate aventureiro...
Beijou-lhe a palidez ao Lord-Forasteiro,
De Veneza, a lasciva — à lânguida 'Stambul!
E, quando o Lara-Inglês expira, o Pajem louro
É Ela!... E fala... e aponta o firmamento de ouro,
Gulnar lembra a Conrado o seu país de azul!...


Quando a Polônia casta, essa Lucrécia nova,
Para fugir — a um leito, arroja-se a — uma cova...
E mata-se de nojo... aos beijos de um Czar...
Uma atriz funeral surge do negro palco,
Tira à chaga o punhal, descobre o catafalco...
E deixa sobre a Europa... o ferro gotejar!


— Amazona sombria — ela arrebata o Goethe
Na garupa a fumar do tártaro ginete,
Pela noite hibernal dos séculos ao sabá!...
Anjo, às vezes, no céu fatídico revca,
A buzinar de cobre os longos ares troa...
Ergue-se a meio o chão do escuro Josafá!


Salve, Deusa incruenta! Imensa Divindade!
— Barqueira desse mar — chamado a Eternidade! —
Que às margens do Cocito embarcas os heróis...
Em prol da Humanidade a Deus levas o grito.
Tens os olhos — na terra' a boca — no infinito!
A meia lua aos pés! Na cabeleira — os sóis!!!


Quando Ela se alteou nas brumas da Alemanha,
Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha,
Na destra suspendendo a estrela da manhã...
O espasmo de um fuzil correu nos horizontes ...
Clareou-se o perfil dos alvacentos montes
Dos cimos do Peru às grimpas do Hindostã!!...

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Castro Alves

domingo, 9 de maio de 2010

Ode on Melancholy- John Keats


ODE ON MELANCHOLY.


No, no! go not to Lethe, neither twist
Wolf's-bane, tight-rooted, for its poisonous wine;
Nor suffer thy pale forehead to be kiss'd
By nightshade, ruby grape of Proserpine;
Make not your rosary of yew-berries,
Nor let the beetle, nor the death-moth be
Your mournful Psyche, nor the downy owl
A partner in your sorrow's mysteries;
For shade to shade will come too drowsily,
And drown the wakeful anguish of the soul.


But when the melancholy fit shall fall
Sudden from heaven like a weeping cloud,
That fosters the droop-headed flowers all,
And hides the green hill in an April shroud;
Then glut thy sorrow on a morning rose.
Or on the rainbow of the salt sand-wave,
Or on the wealth of globed peonies;
Or if thy mistress some rich anger shows,
Emprison her soft hand, and let her rave.
And feed deep, deep upon her peerless eyes.

She dwells with Beauty—Beauty that must die;
And Joy, whose hand is ever at his lips
Bidding adieu; and aching Pleasure nigh,
Turning to poison while the bee-mouth sips:
Ay, in the very temple of Delight
Veil'd Melancholy has her sovran shrine,
Though seen of none save him whose strenuous tongue
Can burst Joy's grape against his palate fine;
His soul shall taste the sadness of her might,
And be among her cloudy trophies hung.


John Keats, 1819



Ode an die Freude



O Freunde, nicht diese Töne!
sondern laßt uns angenehmere anstimmen,
und freudenvollere.

Freude, schöner Götterfunken,
Tochter aus Elysium,
wir betreten feuertrunken,
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder,
was die Mode streng geteilt;
alle Menschen werden Brüder,
wo dein sanfter Flügel weilt.

Wem der große Wurf gelungen,
eines Freundes Freund zu sein,
wer ein holdes Weib errungen,
mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer’s nie gekonnt, der stehle
weinend sich aus diesem Bund.

Freude trinken alle Wesen
an den Brüsten der Natur;
alle Guten, alle Bösen
folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben,
einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott!

Froh, wie seine Sonnen fliegen
Durch des Himmels prächt’gen Plan,
laufet, Brüder, eure Bahn,
freudig, wie ein Held zum Siegen.


Seid umschlungen Millionen.
Diesen Kuß der ganzen Welt!
Brüder! überm Sternenzelt
muß ein lieber Vater wohnen
Ihr stürzt nieder Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such’ ihn über’m Sternenzelt!
Über Sternen muß er wohnen.