Olha-me, ó virgem, a fronte! Olha-me os olhos sem luz! A palidez do infortúnio Por minhas faces transluz; Olha, ó virgem — não te iludas — Eu só tenho a lira e a cruz. Junqueira Freire
É tarde! É muito tarde! Mont'Alverne
É tarde! É muito tarde! O templo é negro... O fogo-santo já no altar não arde. Vestal! não venhas tropeçar nas piras... É tarde! É muito tarde!
Treda noite! E minh'alma era o sacrário! A lâmpada do amor velava entanto, Virgem flor enfeitava a borda virgem Do vaso sacrossanto.
Quando Ela veio — a negra feiticeira — A libertina, lúgubre bacante, Lascivo olhar, a trança desgrenhada, A roupa gotejante.
Foi minha crença — o vinho dessa orgia, Foi minha vida — a chama que apagou-se, Foi minha mocidade — o toro lúbrico, Minh'alma — o tredo alcouce.
E tu, visão do céu! Vens tateando O abismo onde uma luz sequer não arde? Ai! não vás resvalar no chão lodoso... É tarde! É muito tarde!
Ai! não queiras os restos do banquete! Não queiras esse leito conspurcado! Sabes? meu beijo te manchara os lábios Num beijo profanado.
A flor do lírio de celeste alvura Quer da lucíola o pudico afago... O cisne branco no arrufar das plumas Quer o aljôfar do lago.
É tarde! A rola meiga do deserto Faz o ninho na moita perfumada... Rola de amor! não vás ferir as asas Na ruína gretada.
Como o templo, que o crime encheu de espanto, Êrmo e fechado ao fustigar do norte, Nas ruínas desta alma a raiva geme... E cresce o cardo — a morte —.
Ciúme! dor! sarcasmo! — Aves da noite! Vós povoais-me a solidão sombria, Quando nas trevas a tormenta ulula Um uivo de agonia! ...
Ses longs cheveux épars Ia couvrent tout entière. La croix de son collier repose dans sa main, Comme pour témoigner qu'elle a fait sa prière, Et qu'elle va Ia faire en s'éveillant demain.
(A. de Musset)
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia Numa rede encostada molemente... Quase aberto o roupão... solto o cabelo E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste Exalavam as silvas da campina... E ao longe, num pedaço do horizonte, Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados, Indiscretos entravam pela sala, E de leve oscilando ao tom das auras, Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago Mesmo em sonhos a moça estremecia... Quando ela serenava... a flor beijava-a... Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante Brincavam duas cândidas crianças... A brisa, que agitava as folhas verdes, Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se... Mas quando a via despeitada a meio, Pra não zangá-la... sacudia alegre Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia Naquela noite lânguida e sentida: "Ó flor! - tu és a virgem das campinas! "Virgem! - tu és a flor de minha vida!..."
Trago-vos mais uma tradução de minha autoria, dessa vez de uma poema atribuído a Alfred de Musset (1810-1857), um dos mais expressivos nomes do Romantismo Francês, sobre o absinto, Bebida tão em voga na França do século 19 à Belle Époque. Espero ter atingido a magnitude do poema em português.
Degustem.
Ode ao Absinto
Oh, verde licor, Nêmesis da orgia!
Freqüentemente, passando por meus lábios rubros,
Você me deu de beber e me fez esquecer meus males;
Eu vi um gigante enpalidecer sob seu abraço!
Oh, irmã da Morte! Traga absinto;
Que entornaremos aos borbotões!
É hora de enfim agradecer-lhe:
Quem não conhece toda a poesia
Uma garrafa de cristal pode portar ao seu lado,
Este quase nunca está perto de uma mesa redonda,
Vi um globos oculares errantes e o mundo
valsar em caretas.
Ele não sustenta que seu coração falha
Que não é sobre a terra coisa que valha
Do absinto ébrio ao sono radiante
Quem pode, quando deseja, durante seu sonho estranho,
Deixando o corpo humano, sentir asas de anjo
Se dirigir aos céus.
Eu o amo! Aos mortais sua força é mais funesta
Que o raio, o fogo, os estilhaços, a peste,
E já o vi com freqüência derrubar o soldado,
Despreocupado de tudo, contentando sua vontade,
Embora sabendo muito bem o que lhe dá vida
Que poupa o combate.
Amo teu forte odor e teu fluxo de um verde escuro
Que deixa lança-se em meio a sua sombra
Chamas cor de sangue ao longo do cristal,
Como se o Senhor, em sinal de cautela,
Quisesse misturar ao verde da esperança
Algum sinal fatal.
Bela como o mar, como suas ondas cruéis,
Você pode quando quiser, esconder como ele,
Sob uma aparente calma seus instintos irritáveis,
E seu fluxo se transforma num oceano de cabeças,
Que batem rindo, nas noites festivas,
Nos portões das cidades.
Para mim, que não quero chegar à velhice,
Eu quero contra tua força tentar minha fraqueza,
Combatendo-lhe, abraçá-lo corpo a corpo.
E quero ver, hoje, num duelo terrível,
Se você pode manter seu título de invencível:
Nossa testemunha será a morte!
Ode à l’Absinthe
Salut, verte liqueur, Némésis de l’orgie! Bien souvent, en passant sur ma lèvre rougie, Tu m’as donné l’ivresse et l’oubli de mes maux;
J’ai vu plus d’un géant pâlir sous ton étreinte! Salut, sœur de la Mort! Apportez de l’absinthe; Qu’on la verse à grands flots!
Il est temps à la fin que je te remercie: Celui qui ne sait pas toute la poésie Qu’un flacon de cristal peut porter en son flanc, Celui-là n’a jamais près d’une table ronde, Vu d’un œil égaré les globes et le monde Valser en grimaçant.
Il ne soutiendra pas sans que son cœur défaille Qu’il n’est pas sur la terre une chose qui vaille De l’ivrogne absinthé le sommeil radieux, Qui peut, quand il lui plaît, durant son rêve étrange, Quittant le corps humain, sentir des ailes d’ange L’emporter dans les cieux.
Moi, je t’aime! Aux mortels ta force est plus funeste Que la foudre, le feu, la mitraille, la peste, Et je te vis souvent terrasser le soldat, Insoucieux de tout, contentant son envie, Quoique sachant trop bien qu’il te donne sa vie Qu’épargna le combat.
J’aime ta forte odeur et ton flot d’un vert sombre Qui laisse s’élancer, au milieu de son ombre Des feux couleur de sang tout le long du cristal, Comme si le Seigneur, en signe de prudence, Avait voulu mêler à ton vert d’espérance Quelque signe fatal.
Belle comme la mer, comme ses flots cruelle, Tu peux quand tu le veux aussi, cacher comme elle, Sous un calme apparent tes instincts irrités, Et ton flux fait tourner un océan de têtes, Qui battent en riant, les soirs des jours de fêtes, Les portes des cités.
Pour moi, qui ne veux pas atteindre la vieillesse, Je veux contre ta force essayer ma faiblesse, Combattre contre toi, t’étreindre corps à corps. Je veux voir, aujourd’hui, dans un duel terrible, Si tu peux soutenir ton titre d’invincible: Notre témoin sera la mort!
Aproveitei o feriado para fazer mais uma postagem no "Sementes", e como acordasse disposta a tal, apresento-lhes mais uma tradução de minha autoria, desta vez de um poema em francês de Armand Renaud (1836-1895), em estilo Orientalista, aproveitando para expôr algumas pinturas no mesmo estilo.