quinta-feira, 22 de abril de 2010

Hino ao sono


Hino ao sono

Ó sono! ó noivo pálido
Das noites perfumosas,
Que um chão de nebulosas
Trilhas pela amplidão!
Em vez de verdes pâmpanos,
Na branca fronte enrolas
As lânguidas papoulas,
Que agita a viração.


Nas horas solitárias,
Em que vagueia a lua,
E lava a planta nua
Na onda azul do mar,
Com um dedo sobre os lábios
No vôo silencioso,
Vejo-te cauteloso
No espaço viajar!


Deus do infeliz, do mísero!
Consolação do aflito!
Descanso do precito,
Que sonha a vida em ti!
Quando a cidade tétrica
De angústia e dor não geme...
É tua mão que espreme
A dormideira ali.


Em tua branca túnica
Envolves meio mundo...
E teu seio fecundo
De sonhos e visões,
Dos templos aos prostíbulos,
Desde o tugúrio ao Paço,
Tu lanças lá do espaço
Punhados de ilusões! ...


Da vide o sumo rúbido,
Do hatchiz a essência,
O ópio, que a indolência
Derrama em nosso ser,
Não valem, gênio mágico,
Teu seio, onde repousa
A placidez da lousa
E o gozo de viver...


O sono! Unge-me as pálpebras...
Entorna o esquecimento
Na luz do pensamento,
Que abrasa o crânio meu.
Como o pastor da Arcádia,
Que uma ave errante aninha...
Minh'alma é uma andorinha...
Abre-lhe o seio teu.


Tu, que fechaste as pétalas
Do lírio, que pendia,
Chorando a luz do dia
E os raios do arrebol,
Também fecha-me as pálpebras...
Sem Ela o que é a vida?
Eu sou a flor pendida
Que espera a luz do sol.


O leite das eufórbias
P'ra mim não é veneno...
Ouve-me, ó Deus sereno!
Ó Deus consolador!
Com teu divino bálsamo
Cala-me a ansiedade!
Mata-me esta saudade,
Apaga-me esta dor.


Mas quando, ao brilho rútilo
Do dia deslumbrante,
Vires a minha amante
Que volve para mim,
Então ergue-me súbito...
É minha aurora linda...
Meu anjo... mais ainda...
É minha amante enfim!


Ó sono! Ó Deus noctívago!
Doce influência amiga!
Gênio que a Grécia antiga
Chamava de Morfeu,
Ouve!...E se minhas súplicas
Em breve realizares...
Voto nos teus altares
Minha lira de Orfeu!


Castro Alves



Hebréia

Caros seguidores,
Bem, a postagem desse sublime poema de Castro Alves foi mais por um pretexto para contextualizar as belas imagens Orientalistas tipicamente Românticas, que fazem parte do meu acervo digital e que selecionei aqui. Os autores das pinturas são respectivamente Elisabeth Vigée-Lebrun, Friedrich von Amerling e Francesco Hayez. Apreciem.

Carolina Marx




Flos campi et lilium convallium.
(Cântico dos Cânticos)


Pomba d'esp'rança sobre um mar d'escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante!
Estrela vésper do pastor errante!
Ramo de murta a recender cheirosa! ...


Tu és, ó filha de Israel formosa...
Tu és, ó linda, sedutora Hebréia...
Pálida rosa da infeliz Judéia
Sem ter o orvalho, que do céu deriva!


Por que descoras, quando a tarde esquiva
Mira-se triste sobre o azul das vagas?
Serão saudades das infindas plagas,
Onde a oliveira no Jordão se inclina?


Sonhas acaso, quando o sol declina,
A terra santa do Oriente imenso?
E as caravanas no deserto extenso?
E os pegureiros da palmeira à sombra?!


Sim, fora belo na relvosa alfombra,
Junto da fonte, onde Raquel gemera,
Viver contigo qual Jacó vivera
Guiando escravo teu feliz rebanho ...


Depois nas águas de cheiroso banho
— Como Susana a estremecer de frio —
Fitar-te, ó flor do babilônio rio,
Fitar-te a medo no salgueiro oculto ...


Vem pois!... Contigo no deserto inculto,
Fugindo às iras de Saul embora,
Davi eu fora, — se Micol tu foras,
Vibrando na harpa do profeta o canto ...


Não vês?... Do seio me goteja o pranto
Qual da torrente do Cédron deserto!...
Como lutara o patriarca incerto
Lutei, meu anjo, mas caí vencido.


Eu sou o lótus para o chão pendido.
Vem ser o orvalho oriental, brilhante!...
Ai! guia o passo ao viajor perdido,
Estrela vésper do pastor errante! ...


Castro Alves





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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Coragem



Bom, devido ao caos urbano instalado no RJ devido às chuvas torrenciais, não tive aulas na faculdade tanto ontem quanto hoje, o que me trouxe tempo livre, que estou investindo nessa postagem.
Trago-vos aqui um poema do ciclo de canções de Schubert "Der Winterreise", (Jornada de inverno), traduzido para a língua de Camões.
Os poemas são de autoria de Wilhelm Müller poeta Romântico alemão, e descrevem de forma alegórica a jornada de um rapaz após a desilusão de um amor infiel. O inverno descrito durante os poemas na verdade é metáfora para a alma do eu-lírico, agora estéril e descrente como o inverno, e há quem diga que ao fim de sua trágica jornada, o jovem enlouquece. É interessante perceber que há nesse Zyclus a imagem do andarilho (Der Wanderer) tão preciosa aos Românticos alemães.
O poema Mut (Coragem) é um de meus favoritos, pois há nele ceticismo e ironia, traços nem tão Românticos assim.
Espero que apreciem.


Coragem

A neve voa sobre meu rosto,
Eu a sacudo.
Quando meu coração no meu peito chora,
Eu canto clara e alegremente.

Eu não ouço o que ele diz,
Pois não tenho ouvidos,
Eu não o sinto lamentar,
Lamentar é para os tolos.

Feliz pelo mundo afora
Contra todo o vento e o mau tempo!
Se não há Deus na Terra,
Nós mesmos seremos deuses!


Mut

Fliegt der Schnee mir ins Gesicht,
Schüttl' ich ihn herunter.
Wenn mein Herz im Busen spricht,
Sing' ich hell und munter.

Höre nicht, was es mir sagt,
Habe keine Ohren;
Fühle nicht, was es mir klagt,
Klagen ist für Toren.

Lustig in die Welt hinein
Gegen Wind und Wetter!
Will kein Gott auf Erden sein,
Sind wir selber Götter!