domingo, 28 de março de 2010

Adelaide


Bem, como a postagem anterior teve boa aceitação, vos trago aqui outra tradução minha de um poema em alemão, escrito por Friedrich von Matthisson (1761-1831) e musicado por Ludwig van Beethoven (1770-1827). Espero que gostem, esse poema traduz bem o Romantismo exacerbado dos pioneiros alemães desse movimento artístico, inclusive com fantasias de morte devido a uma amor impassível. Tambem deixo a versão original para possível confronto. Os quadros são de Friedrich von Amerling, um pintor Romântico alemão que aprecio muito. (Assista a canção na voz de Jussi Bjorling)


Adelaide


Autoria: Friedrich von Matthisson (1761-1831)


Sozinho seu amigo passeia num jardim primaveril,

suavemente envolto por mágica luz,

oscilam trêmulos ramos a florescer,

Adelaide!


No cristalino córrego, na neve dos Alpes,

nas nuvens douradas ao esmorecer do dia,

nas constelações, sua imagem brilha,

Adelaide!


As brisas das tardes murmuram nas delicadas folhas,

argênteos sinos de Maio soam na grama,

murmúrios de ondas, e rouxinóis piam:

Adelaide!


Um dia, oh delícia! da minha sepultura irá brotar

uma flor das cinzas do meu coração,

cintilando claramente em cada pétala púrpura:

Adelaide!


Adelaide


Einsam wandelt dein Freund im Frühlingsgarten,

Mild vom lieblichen Zauberlicht um flossen,

Das durch wankende Blüthenzweige zittert,

Adelaide!


In der spiegelnden Fluth, im Schnee der Alpen,

In des sinkenden Tages Goldgewölken,

In Gefilde der Sterne strahlt dein Bildniss,

Adelaide!


Abendlüftchen im zarten Laube flüstern,

Silberglöckchen des Mais im Grase säuseln,

Wellen rauschen und Nachtigallen flöten,

Adelaide!


Einst, o Wunder! entblüht auf meinem Grabe,

Eine Blume der Asche meines Herzens

Deutlich schimmert auf jedem Purpurblättchen:

Adelaide!



sábado, 6 de março de 2010

Novo amor, nova vida


Coração, meu coração, o que ocorre?
Por que te agitas tanto?
Que estranha, nova vida!
Não te reconheço mais.
Foi-se tudo o que amavas,
foi-se tudo o que o perturbava,
foi-se tua perseverança e tranquilidade
Ah, como chegaste a tanto!

Estás hipnotizado pela flor da idade,
Por essa delicada figura
Cujo olhar é pleno de fidelidade e bondade,
Com poder infinito?
E se a ela tento escapar,
Faltam-me forças para a fuga,
Sou levado em um instante,
Oh, de volta a ela.

E por este mágico fio,
Que não se pode romper,
A cara, maldosa donzela
Ainda que contra a minha vontade,
Prende-me em seu círculo mágico
Onde devo viver ao seu modo.
A mudança - oh,quão grande!
Amor, Amor, deixe-me livre!






Essa é a uma tradução livre do poema"Neue Liebe, neues Leben", de Johann Wolfgang von Goethe, feita por mim, tentando respeitar senão a forma, ao menos o conteúdo do original. Como dizem os italianos, "Traduttore, traditore." (Tradutor, traidor), mas ambiciono nao ter traido tanto assim o original. De qualquer forma, apresento-lhes também o poema tal qual escrito pelo grande Goethe, que fora inclusive musicado por Beethoven (Assista a canção na voz de Dietrich Fischer-Dieskau)



Neue Liebe, neues Leben


Herz, mein Herz, was soll das geben?

Was bedränget dich so sehr?
Welch ein fremdes neues Leben!
Ich erkenne dich nicht mehr!
Weg ist alles, was du liebtest,
Weg, warum du dich betrübtest,
Weg dein Fleiß und deine Ruh',
Ach, wie kamst du nur dazu!

Fesselt dich die Jugendblüte,
Diese liebliche Gestalt,
Dieser Blick voll Treu und Güte
Mit unendlicher Gewalt?
Will ich rasch mich ihr entziehen,
Mich ermannen, ihr entfliehen,
Führet mich im Augenblick
Ach, mein Weg zu ihr zurück.

Und an diesem Zauberfädchen,
Das sich nicht zerreissen läßt,
Hält das liebe, lose Mädchen
Mich so wider Willen fest,
Muß in ihrem Zauberkreise
Leben nun auf ihre Weise.
Die Verändrung, ach wie groß!
Liebe, Liebe, laß mich los!

Johann Wolfgang von Goethe

sexta-feira, 5 de março de 2010

Aquela mão




Pálidos versos a um primor divino


ERA U'A MÃO de luxo... Era um brinquedo!...
Mas tão bonita que metera medo,
Se não fosse, meu Deus! tão meiga e franca!
Mão p'ra se encher de gemas e brilhantes,
De suspiros, de anelos palpitantes...
Mas p'ra estalar as jóias e os amantes...
Aquela mão tão branca!


Era u'a mão fidalga... exígua, escassa!
Mão de Duquesa! Era u'a mão de raça
De sangue azul, em veios de Carrara!
Alva, tão alva que vencia a idéia
Das neblinas, dos gelos e da garça!...
Amassada no leite de Amaltéia
Aquela mão tão rara!


Tinha um gesto de musa! — Mão que voa,
Que do piano na ideal lagoa,
As asas banha em rapidez não vista!...
Como a andorinha que se arroja à toa,
Cruzando em beijos a extensão das teclas!
Acendendo no seio a luz dos Eclas...
Aquela mão de artista!


Mão de criança! Era u'a mão de arminhos,
Tendo essas covas, esses alvos ninhos,
De aves que a terra desconhece ainda!
Lembrando as conchas dos parcéis marinhos,
A polpa branca dos nascentes lírios...
Covas... porque se enterram mil delírios
Naquela mão tão linda!


No teatro, uma noite, casta, esquiva,
Na luva de pelica a mão cativa,
Recordava um eclipse de lua...
Mas um momento após, deixando o guante,
Vi salvar-se da espuma, rutilante,
Como Vênus despida e palpitante,
Aquela mão tão nua!


Era uma régia mão! Que largas vezes
Sonhei torneios, morriões, arneses,
Bravos ginetes de nevada crina,
Justas feridas entre mil reveses,
Da média idade a sanguinosa palma...
Só p'ra o louro atirar... e a lança e a alma...
Aquela mão tão fina!


Uma noite sonhei que, em minha vida,
Deus acendia a estrela prometida,
Que leva os Reis ao trilho da ventura;
Mus, quando, ao longo da poenta estrada,
O suor me escorria d'amargura...
Passava em meus cabelos perfumada
Aquela mão tão pura!


Era u'a mão que iluminara um cetro...
Mão que ensinava d’harmonia o metro
As esferas de luz que o dia encobres...
Tão santa que uma pérola indiscreta
Talvez toldasse esta nudez tão nobre...
Vazia Era a riqueza do Poeta Aquela mão tão pobre!


Era u'a mão que provocava o roubo!
Era u'a mio para conter o globo!
Tinha a luz que arrebata, a luz que encanta!
Fôra o gênio de Sócrates o Grego!
Domara em Roma os cônsules e o lobo?
Mão que em trevas buscara Homero cego
Aquela mão tão santa!

CASTRO ALVES